quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Pessoas NEGRAS não são fantasia: carta de repúdio ao bloco carnavalesco Garibaldis & Sacis


No último dia de desfile do bloco carnavalesco Garibaldis & Sacis, que aconteceu dia 08 de fevereiro de 2015, um dos integrantes que estava em cima do trio elétrico, utilizava uma malha ou tecido da cor preta sobre o corpo, numa tentativa ridícula de se caracterizar como uma pessoa negra, ato este que é conhecido como blackface. O blackface é uma prática racista que existe desde meados do século XIX, sendo utilizada para ridicularizar as pessoas negras, desde a sua cor às suas formas corporais; e por mais que os praticantes do blackface interpretem isso como uma prática carnavalesca sustentada no discurso de que nada mais é que uma brincadeira, ele é sim altamente racista.
blackface
Este tipo de representação faz parte de uma cultura praticada por pessoas brancas, e não representa as pessoas negras e/ou sua cultura no carnaval, mas reitera sim estereótipos e preconceitos. No Brasil essa prática teve início na década de 1950 com a Nega Maluca de Evaldo Ruy, que em nada também representa a mulher negra, pois mulher negra não é fantasia. Todos usam e abusam da imagem das pessoas negras, com seus corpos sendo expostos como mercadoria, momentos como esse do carnaval o negro é cooptado, é disputado, assim como no futebol, mas não há o mesmo interesse em ter o negro como parte das fileiras dos milhares de formandos em medicina, direito, psicologia, odontologia, ou qualquer outro curso de graduação e tudo mais que diz respeito ao desenvolvimento efetivo da população negra e do país.
Está mais do que evidente que a juventude negra vem sendo assassinada e perseguida diariamente. Em 2012, 77% dos jovens assassinados no Brasil eram jovens negros. A juventude negra é massacrada constantemente pelo racismo, seja por palavras ou por atitudes, e a grande maioria dos assassinatos de pessoas negras não é investigado corretamente [1].
É válido lembrar que dois dias antes da última apresentação do bloco carnavalesco, no dia 06 de fevereiro, 12 jovens negros foram assassinados pela PM de Salvador e o governador da Bahia, Rui Costa, apenas declarou que a polícia militar deve agir como artilheiro de um jogo de futebol, pois em poucos segundos tem que decidir como agirá. Um governador que em nenhum momento declarou-se contrário a ação da PM, de matar 12 jovens negros. O massacre da juventude negra acontece diariamente, diante de nossos olhos e é realmente muito triste perceber que existem pessoas que em nenhum momento param para refletir sobre as consequências de suas ações, sobre seus privilégios. Blackface não tem desculpa, não tem explicação! Blackface é racismo! E racismo não pode e não deve ser aceito!
Estamos falando de um país onde a maioria da população não é branca, é negra. Estamos falando de uma realidade nacional onde ser negro, pobre e periférico, é ser visto como marginal, bandido, criminoso. Estamos falando de um país onde crianças e jovens negros não possuem total acesso à educação e são mortas diariamente. Estamos falando de um país que se diverte e dá risada com o blackface no carnaval, reificando a ideia que o negro é um personagem caricato brasileiro, uma coisa que pode ser usada e emprestada quando bem quiser. Pessoas negras não são fantasias carnavalescas para pessoas brancas, são vidas, existem e sofrem com o racismo.
Expressamos, assim, total repúdio ao bloco Garibaldis & Sacis, que com o patrocínio da Fundação Cultural de Curitiba (ou seja, nosso dinheiro também) reproduz um estereótipo grotesco, contribuindo com o racismo da população brasileira ao disseminar esta prática infeliz que é somente mais um dos vários instrumentos racistas que a população negra tem que lidar diariamente. Artistas como estes que tem um grande público e reconhecimento, além de recurso visual e performático, utilizam suas formas de expressões artísticas em favor do racismo, prestando total desserviço e contrariando toda a luta que os movimentos negros vem travando contra o preconceito e contra o mito da democracia racial.
E se existiu blackface em um trio elétrico que era para trazer alegria e diversão às pessoas que estavam em Curitiba no último domingo, nós, pessoas negras, esperamos que nas próximas comemorações carnavalescas, o bloco Garibaldis & Sacis não esqueça que seu público é feito, também, pelas pessoas negras, que certamente se sentiram ofendidas com o racismo escancarado no blackface de um dos seus integrantes. O bloco ou desconhece a história da população negra ou a ignora.
Por fim, exigimos um esclarecimento do bloco Garibaldis & Sacis, pois, mesmo que a sociedade curitibana muitas vezes acabe pensando que não existam pessoas negras em Curitiba, nós estamos por aqui também! Nós, pessoas negras, não queremos que o carnaval se transforme em mais uma data onde o racismo seja veiculado através de “brincadeiras” preconceituosas, onde ele seja assunto velado e pouco discutido. Se é para falar das pessoas negras no carnaval, que se fale de nossos problemas, que nos deixe ser parte da formação do carnaval em Curitiba, pois aos nos colocar como fantasia, nos coloca, mais uma vez, como coisa, objeto sem valor, a carne mais barata do mercado.
Assinam essa carta:
Coletivo Sou Neguinh@
Priscila Souza